sexta-feira, 15 de julho de 2011

O temperamento dos portugueses

O temperamento dos portugueses nunca se coadonou muito com o trabalho persistente e continuado.
Em Portugal houve sempre falta de artífices- A nossa grande inclinação tem sido o comércio.
Desde os primórdios da nossa vida como nação sempre proliferou o tráfico comercial na nossa orla marítima e os portugueses sempre concentraram as suas energias nas terras da beira-mar, em prejuízo das do interior.
Já no tempo de D. Fernando assim acontecia e, muito embora as legislações agrárias elaboradas na altura (Lei das Sesmarias) as herdades deixaram, progressivamente, do ser cultivadas acabando por nelas crescer o mato, como também acontece hoje...
Além do gosto pelo comércio também os portugueses sentiram sempre uma grande atracção pela actvidade de funcionário do Estado actividade que nunca obrigou a grandes esforços e sempre beneficiou de uma certa auréola de importância aqueles que a desempenhavam. Com o funcionalismo têm-se caído no exagero desde há muito. Já no tempo de D.João I parece que em seis pessoas que se juntassem uma era seguramente funcionária pública.
Hoje quase acontece isso também...
Mas o comércio, segundo se depreende da singular obra de António Sérgio "Breve Interpretação da História de Portugal" foi e ainda é a principal motivação da vida dos portugueses. E o auge dessa actividade foi atingido no tempo das descobertas, quando Lisboa se tornou no maior empório comercial do mundo, com o seu porto repleto de navios e as suas ruas devassadas por mercadores das mais diversas paragens. É que antes da descoberta do caminho marítimo para a Índia os turcos, dominando o Levante, dificultavam a extraordinariamente o comércio com o Oriente.
A pimenta, por exemplo, que se vendia na Índia por dois a três cruzados o quintal era sujeita a pesados impostos nos pontos de passagem vendendo-se no Cairo a oitenta cruzados. Com a descoberta do caminho marítimo para a Índia foi possível, em Lisboa, comercializar-se o quintal de pimenta a trinta cruzados. Lisboa foi o maior centro comercial do mundo durante muitos anos. Por Portugal passava imensa riqueza. Mas só passava porque era no estrangeiro que essa riqueza fomentava trabalho. E de lá, do estrangeiro, nos vinha quase tudo o que consumíamos.
Como acontece, praticamente, hoje também...
O país, no tempo das descobertas, embora vivesse aparentemente no esplendor endividava-se para comprar cereais nos mercados europeus. Em fins de 1543, segundo António Sérgio, deviam-se em Flandres somas enormes pagando juros tão altos que as importâncias em dívida dobravam em quatro anos.
Não seria uma situação muito diferente da que atravessamos nos dias de hoje...
Mas isso não impediu nunca que em Lisboa se organizassem, com frequência, "cortejos em que luziam os rubis de Pegu e os diamantes de Nassinga, as safiras de Ceilão e as esmeraldas da Babilónia, se exibiam sedas da Pérsia e tecidos de Bengala, os veludos, as rendas, os anéis..."
De noite havia folguedos no Tejo, para o povo e os serões do Paço Real tinham fama em toda a Europa.
Em Lisboa havia músicos por toda a parte. Ninguém trabalhava nem produzia. Os barbeiros e os sapateiros eram estrangeiros.
D. Manuel I mandou, mesmo, procurar trabalhadores fora do país, como operários da construcção civil.
Vivia-se uma vida de aparências. Como hoje ...
Tal como acontece também no presente com alguns nossos contemporâneos que percorrem as artérias das cidades nas suas potentes e ruidosas máquinas automóveis, os fidalgotes desses tempos exibiam-se "pelas ruas, com mula ajaezada de oiro e muitos lacaios agaloados".

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