sábado, 9 de maio de 2015

O Regicídio

D. Carlos foi o penúltimo Rei da Monarquia portuguesa.
Sobre vários aspectos foi uma personalidade notável. Foi oceanógrafo e naturalista tendo estudado e catalogado especialmente aves e peixes. A sua obra Catálogo Ilustrado das Aves de Portugal é um importante trabalho de pesquisa e registo.
Foi também um artista de grande sensibilidade como revelam as suas aguarelas sobre a vida piscatória das povoações ribeirinhas do Tejo e do Sado e da baía de Cascais.
O diário náutico do iate D. Amélia, escrito pela mão de D. Carlos durante a campanha oceanográfica de 1897, é ilustrado com magníficas aguarelas do Rei.
Foi um homem culto, conhecedor de várias línguas estrangeiras, entre as quais o espanhol, o francês e o inglês.
E também foi desportista, tendo jogado ténis, praticado esgrima, além de ter sido bom velejador e caçador.
Foi um homem do seu tempo tendo relações sociais e políticas com diversos reis e chefes de estado europeus.
Segundo Mendo Castro Henriques "a sua capacidade negocial e o prestígio diplomático granjeado por Portugal foram o maior trunfo pessoal do Rei, que foi escolhido como mediador num diferendo entre o  Brasil e a Inglaterra."
D. Carlos fez diversas visitas a países estrangeiros, visitas que foram retribuídas por alguns soberanos europeus. Em 1903 vieram a Portugal Eduardo VII de Inglaterra e Afonso XIII de Espanha e no ano seguinte foi a vez da Rainha Alexandra de Inglaterra, do Imperador Guilherme da Alemanha e do Presidente francês Loubet visitarem o nosso país.
Embora os tempos vividos durante o seu reinado não possam ser considerados um período de decadência a imagem, no entanto que foi criada desses tempos é negativa. Isso deveu-se principalmente ao deficiente funcionamento das instituições políticas.
Essa e outras razões como o "ultimatum" britânico de 1980 em que a Inglaterra reivindicou a posse do território interior de África entre Angola e Moçambique, originando no país o avanço do ideal republicano.
Para tal avanço desse ideal contribuíram também a implantação da III República Francesa e as crises internas de 1890-1892 e a política ditatorial de 1906-1908.
A imprensa, por seu lado, era um veículo de propaganda e agitação que denegria a monarquia. E as sociedades secretas, sobretudo a Carbonária, contribuíam muito para o advento da revolução republicana.
O isolamento do Rei a dada altura tornou-se uma evidência. Ele próprio sintetizou esse isolamento quando afirmou que Portugal era uma monarquia sem monárquicos.
Segundo Mendo Castro Henriques "perante as rivalidades partidárias e a crise financeira, D. Carlos assumiu com firmeza a empresa de uma reforma governativa de que a ditadura seria um degrau. Os jornais dos partidos monárquicos falavam em abdicação, vaticinavam uma revolução ou um crime".
E o crime aconteceu no primeiro dia de Fevereiro de 1908 sendo os seus principais autores dois anarquistas, filiados em organizações secretas ligadas aos republicanos: Manuel dos Reis da Silva Buiça e Alfredo Costa. Desse assassinato foram vítimas o Rei D. Carlos e o seu filho primogénito o Príncipe Real D. Luís Filipe quando a família real regressava a Lisboa vinda de Vila Viçosa.
Com a descrição desse acontecimento o Jornal Diário de Notícias de 2 de Fevereiro de 1908 preenche a quase totalidade da sua primeira página, acontecimento que em seguida parcialmente transcrevo:
"El Rey e a família real deviam chegar a Lisboa às 4 horas e um quarto da tarde, mas o comboio expresso teve um atraso assim como o vapor em que a família real vez a travessia do Barreiro para o Terreiro do Paço que só atracou á ponte do Sul e Sueste depois das 5 horas.
Ali aguardavam a chegada membros do Governo, dignitários da Côrte e alguns oficiais. El Rey demorou-se a conversar durante alguns momentos com o presidente do Conselho e outros ministros.
Em seguida saiu da estação dirigindo-se para as carruagens que aguardavam os viajantes em frente ao torreão do Ministério da Guerra.
Na primeira carruagem tomaram lugar o Rei, a Rainha, o Príncipe Real e o Infante D. Manuel. A carruagem era descoberta e o cortejo pôs-se em marcha em direcção ao Paço, indo a primeira carruagem muito distanciada da segunda.
Ao passar em frente do Ministério da Fazenda um homem de barba loura, cuja identidade é ainda desconhecida, tirou debaixo do casaco uma carabina desfechando uma tiro sobre o Rei.
D. Carlos atingido pela bala tombou sobre a direita. A Rainha quis amparar o marido e entretanto outros homens dispararam novos tiros em direcção á carruagem real dois dos quais feriram o Príncipe Real: um na cabeça e outro no pescoço.
A Rainha levantou-se na carruagem presa de extraordinária agitação, a gritar por socorro. O autor do atentado contra o Rei e mais dois homens, que consta terem sido aqueles cujos tiros atingiram o Príncipe Real, foram mortos, sendo o cadáver do primeiro conduzido para a esquadra da Rua dos Capelistas e os dos outros para o vestíbulo da Câmara Municipal.
A carruagem seguiu imediatamente a trote para o Arsenal da Marinha e quando ali chegou El Rey já tinha falecido e o Príncipe morreu naquele estabelecimento ficando o seu cadáver junto do de seu pai.  O Infante D. Manuel foi também atingido por uma das balas recebendo um leve ferimento em um dos braços. Ficaram também feridos Francisco Figueira, oficial às ordens de El Rey, numa perna, um soldado do ultramar e um trintanário... O acontecimento produziu extraordinário sensação em toda a cidade. Quase todos os estabelecimentos encerraram as portas e os espectáculos teatrais foram suspensos".
Desta forma aconteceu a  morte de El Rey D. Carlos e de seu filho herdeiro, o Príncipe Real D. Luís Filipe, acontecimento trágico que prenunciou o fim da monarquia em Portugal.
O referido regicídio deu, mais tarde, origem a um julgamento que teve por escrivão Abílio da Cruz Pereira Magro, primo direito do meu avô paterno.

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